Pode parecer estranho, para aqueles que tiveram apenas um contato inicial com a obra do psicólogo russo Lev S. Vygotsky, que na página dedicada à matriz teórica de pensameto psicológico inaugurada por ele, apareça um longo documentário sobre a evolução do comportamento humano.
Esta postagem, entretanto, ainda que não possa levar a marca de um "documentário vygotskyano", no sentido de utilizar os seus conceitos ou fazer referências diretas às suas idéias, traz diversos elementos muito caros à discussão desse autor sobre os percursos filogenéticos, históricos e ontogenéticos que levaram os seres humanos à constituição daquilo que foi o objeto por excelência de toda a sua investigação, a saber: a constituição das chamadas funções psicológicas superiores.
Dentre os referidos elementos, estão a confecção e utilização de ferramentas/instrumentos para potencializar a ação do homem sobre o mundo físico, possibilitando uma ação mediada que expande as capacidades naturais oferecidas pelo corpo; a utilização de símbolos, caracterizando um outro tipo de mediação, mais propriamente psicológica, modificando e sendo modificada pelas interações entre pares; a origem e importância da linguagem nas relações sociais e na constituição da própria subjetividade.
De fato, estes temas convergentes entre a obra de Vygotsky e o documentário aqui exibido - além de outros que destes derivam - são apresentados de maneira bastante didática, dinâmica, com riqueza de imagens, histórias, exemplos e depoimentos de cientistas consagrados como Steven Pinker (ver entrevista na página de Psicologia Cognitiva) e Richard Dawkins, criando a inusual possibilidade de atuar tanto sobre a zona de desenvolvimento proximal dos iniciantes quanto dos expertos em Vygotsky.
Para os que gostam não só de "ver os filmes", mas também de ler os livros, gostaria muito de recomendar um trabalho do Vygotsky, escrito em parceria com um dos seus mais importantes colaboradores, A. R. Luria. O livro se chama Estudos sobre a história do comportamento humano: o macaco, o primitivo e a criança, publicado pela editora Artes Médicas em 1996. Eu digo que gostaria por que este livro tem sua edição esgotada e não é muito fácil de ser encontrado, embora, obviamente, não seja impossível. As boas bibliotecas de psicologia devem contar com pelo menos um exemplar.
Nem tudo está perdido, entretanto, para aqueles ávidos por aprofundamento. Há um outro trabalho, que não foi escrito por Vygotsky, mas que, assim como o documentário, traz algumas das suas principais idéias e as desenvolve à luz da produção científica mais recente, que a precoce morte do psicólogo soviético o impediu de entrar em contato. O livro ao qual me refiro chama-se Origens culturais da aquisição do conhecimento humano, do Michael Tomasello, publicado pela editora Martins Fontes.
Espero que gostem tanto (ou mais) do documentário quanto eu e que ele estimule frutíferas discussões no espaço destinado aos comentários.