Acredito que não causará espanto a ninguém a afirmação de que o ensino de matemática no Brasil vai muito mal, já que a qualidade da nossa educação como um todo está mais que sofrível. Além de todos os problemas mais estruturais, amplamente debatidos no âmbito educacional e já bastante enfatizados nas diversas páginas deste blog, como, por exemplo, a falta de condições de trabalho, a inadequação dos currículos, a desvalorização da docência, etc., existem questões mais específicas, relativas à formação dos professores para lidar com cada área de conhecimento.
Neste caso particular da matemática, o excelente artigo de Fávero e Neves (2009) evidencia lacunas na capacidade de professores e psicólogos para resolver e analisar problemas de matemática resolvidos por alunos. Estes que são profissionais que têm como parte da sua função justamente ensinar a resolver problemas e avaliar em que grau os estudantes conseguiram evoluir em relação ao domínio das competências de cálculo e raciocínio lógico!
Face a este cenário, creio que, enquanto as "grandes" ações oriundas do poder público não fazem efeito, qualquer pequena contribuição que possa proporcionar algum avanço na melhoria do ensino de matemática será bem vinda. Esta postagem, portanto, se enquadra neste segundo grupo.
No primeiro vídeo (acima), apresentado pela professora Priscila Larocca, temos uma pequena síntese de algumas idéias chave do pensamento do psicólogo Lev Vygotsky, já discutidas em postagens anteriores desta mesma página (ver aqui, aqui e aqui). Neste vídeo, a professora retoma os conceitos de "interação social" (ver Colaço, 2004) e de "mediação semiótica" (ver Colaço e colegas, 2007), além de esclarecer sobre a importância dos "signos", da "linguagem" e dos "conceitos" na formação do raciocínio, buscando evidenciar as relações destes elementos da psicologia sócio-histórica para o ensino-aprendizagem da matemática no contexto escolar.
No decorrer da sua exposição, a professora Larocca oferece alguns princípios que devem ser assumidos por professores, não só no ensino de matemática, mas de qualquer outra disciplina curricular. A seguir, sintetizo estes princípios, tentando exemplificá-los com situações cotidianas de uma sala de aula, exibidas nos dois vídeos postados abaixo. As imagens foram gravadas em duas aulas de uma turma de terceira série, cuja professora estava ensinando o assunto "divisão".
A professora Priscila Monteiro inicialmente lê o problema que está escrito no quadro (180 tortas para distribuir entre as 15 padarias), e, logo em seguida explica de outra maneira para toda a classe. Posteriormente, retoma o enunciado para os pequenos grupos, sempre que necessário. Vale ressaltar que muitos professores resistem a esta repetição, por considerar que os alunos devem sempre estar atentos e que esta atenção seria tão necessária quanto suficiente para que eles memorizassem o que foi dito pelo professor de uma única vez.
2- Elaborar a linguagem paulatinamente (tendendo a um nível maior de abstração e generalização);
Após relembrar com a turma que é permitido utilizar diversas estratégias de resolução baseadas em diferentes maneiras de representar, a professora enfatiza: terceira série já pode usar número! O número é certamente uma forma de representação que exige um grau de abstração maior, mas que a criança necessita percorrer um certo "caminho" até dominar o uso destes signos. A professora Priscila parece estar consciente disto, permitindo que os alunos pensem com os signos que já conseguem manipular. A partir do minuto 4:11, do primeiro vídeo, Priscila já tenta utilizar uma linguagem "mais matemática", mesclando com termos como "dar" e "faltam". No segundo vídeo, ela retoma as estratégias utilizadas pelas crianças para a resolução do problema das tortas e seleciona as mais avançadas para serem empregadas na solução do próximo problema.
3- Do familiar para o desconhecido (utilização dos conhecimentos prévios);
Para uma melhor compreensão do enunciado do problema das tortas, a professora começa lançando mão de exemplos que as crianças conhecem (como se fossem lojas do Mc Donalds). Já no segundo problema, ela vai sugerir que os alunos utilizem as melhores estratégias conhecidas por eles na resolução do problema anterior. Esta é uma ação exemplar da docente, pois, quando se fala da importância da utilização dos conhecimentos prévios, alguns professores afirmam não ser possível acessá-los, pois não se pode fazer uma avaliação de todos os alunos antes de inciar cada assunto.
4- Ajudar o aluno durante o processo (intervir sobre a zona de desenvolvimento proximal);
Nos dois vídeos abaixo, após a explicação para toda a turma, a professora transita por toda a sala dialogando com os pequenos grupos, aproveitando os recursos de contagem já apropriados pelas crianças, questionando a adequação de algumas tentativas de solução, relembrando acordos prévios, instigando para que eles busquem, com os recursos que detêm, os melhores caminhos para chegar à resposta correta.
Ao final do segundo vídeo, vale a pena escutar a professora Priscila falar sobre a distância entre as estratégias mais elementares utilizadas pelas crianças e a apropriação do algoritmo da divisão, que é o objetivo curricular. Toda a sua ação passa a ter sentido, quando vemos que ela está, coerentemente, mediando a internalização de um elemento cultural tão importante quanto a operação de dividir.
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